O Sistema de Cotas Raciais como Ação Afirmativa no Direito Brasileiro<\/font><\/strong><\/p>\nPublicado em Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 8, n.31, p. 104-123, jul.\/set. 2005. Luciana de Oliveira Leal Halbritter<\/font><\/p>\nResumo: As ações afirmativas foram implantadas no ordenamento jurídico brasileiro como uma solução para a dificuldade de acesso de certos grupos sociais ao sistema de educação superior. Seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade, vista tanto em seu aspecto filosófico quanto em seu aspecto jurídico-constitucional.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nPalavras-chave: igualdade; constituição; ações afirmativas; minorias; cotas; universidades.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nSumário: Introdução. Ações Afirmativas – Conceito. A igualdade nos planos filosófico e jurídico. A igualdade no plano filosófico. A igualdade no Direito. Igualdade no Direito Brasileiro. As Ações Afirmativas no Direito Brasileiro. Conclusão. Bibliografia<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nIntrodução<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nAtualmente, vem-se discutindo no cenário político, bem como jurídico, a viabilidade e os limites do desenvolvimento pelo Poder Público de programas e projetos cujo objetivo seja a inclusão social de minorias [1], em relação às quais haja algum tipo de discriminação social ou desvantagem decorrente de discriminação histórica na sociedade que acarreta, no presente, desigualdade social. Trata-se das chamadas ações afirmativas, que nos últimos anos vêm sendo debatidas no âmbito do direito brasileiro, especialmente em razão da implementação do sistema de cotas raciais em universidades.
<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nÉ certo, contudo, que o estabelecimento e a implantação de políticas tais no Direito Brasileiro é anterior à discussão atual, voltada especificamente para a questão racial. Cotas para mulheres em candidaturas para cargos públicos eletivos e para deficientes físicos em concurso público já têm previsão legislativa e aplicação prática há mais de uma década.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nO que ora se propõe, assim, é analisar estas questões no Direito positivo brasileiro, em abordagem constitucional e filosófica.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nAções Afirmativas – Conceito<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\n <\/span>Ações afirmativas são, no dizer de Joaquim B. Barbosa Gomes, “políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”. [2]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nAs ações afirmativas surgiram como uma forma de promover a igualdade entre grupos historicamente preteridos ou discriminados em uma sociedade. Sua finalidade primordial, mais do que prevenir, coibir e punir atos discriminatórios, é gerar condições para que as conseqüências sociais concretas da discriminação[3] passada ou presente sejam progressivamente amenizadas, até que se alcance o objetivo maior de promoção da efetiva igualdade. [4]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nEsta busca de igualdade se refere primordialmente às condições e oportunidades de acesso à educação e ao mercado de trabalho, o que importa dizer, à inexistência de discriminação na contratação e remuneração dos indivíduos, bem como no acesso aos níveis mais elevados de ensino.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nNos Estados Unidos da América, a Suprema Corte concluiu pela constitucionalidade do uso de critérios raciais na implementação de políticas públicas que objetivem a promoção da diversidade e a não segregação nas áreas educacional e de relação de emprego, em abordagem estrutural do problema da discriminação, com vistas ao equilíbrio entre os diversos grupos sociais.[5] Estas políticas configuram as chamadas ações afirmativas, implementadas legislativamente e ainda por meio da atuação dos tribunais, ante a constatação da discriminação racial praticada tanto em contratações, quanto na admissão de estudantes em universidades. Assim<\/st1:personname>, a adoção do discrímen racial, que em princípio é suspeito de ser discriminatório, é admissível quando tenha por objetivo beneficiar o grupo ou minoria excluído, hipótese em que se mostra compatível com o princípio da igualdade. Neste sentido vem decidindo a Côrte Americana, com a ressalva de que somente ante a demonstração efetiva da desigualdade que se pretende remediar é que se admite a adoção deste discrímen.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nNo Brasil, dados do Censo 2000, realizado pelo IBGE evidenciam a efetiva disparidade, por exemplo, entre brancos e negros no acesso ao ensino superior. Conforme reportagem publicada em jornal de grande circulação, “em 2000, 3% da população cursavam uma faculdade. Entre os negros, a porcentagem era de 1%, enquanto, entre os brancos, a taxa era de 4,2%, quatro vezes mais”.[6]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nEmbora no Brasil o percentual geral de acesso ao ensino superior seja muito baixo – o que sinaliza que o problema educacional é muito mais abrangente do que a questão estritamente racial – há que se reconhecer que a disparidade no percentual de alunos que cursavam em 2000 algum curso de nível superior indica a existência de efetiva desvantagem entre as raças consideradas. O que não significa, contudo, que a mera criação de cotas para negros em nível universitário seja solução para o problema, por duas razões que se deve destacar.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nPrimeiramente, constata-se que a regra no sistema avaliatório para ingresso em cursos de ensino superior, no Brasil, é o critério meritório, ou seja, são avaliados os conhecimentos do aluno, por meios objetivos (provas), o que impede que o critério racial seja considerado quando de sua admissão. Seja por meio do ENEM, seja por meio do vestibular, ou de outros modos de avaliação do aluno, o que se aprecia no processo seletivo é o conhecimento e a capacidade de raciocínio do candidato à vaga na universidade. Não há entrevistas ou outros exames em que o avaliador possa, subjetivamente, discriminar o candidato, em razão de sua raça, ainda que sob argumento outro. Assim, a causa de um menor acesso ao ensino superior de integrantes da raça negra não está na discriminação racial no processo seletivo para ingresso em curso de nível superior – para cuja prática não há espaço no sistema de avaliação para ingresso atualmente em uso – mas em outras questões histórico-sociais e educacionais pertinentes a questão racial no país.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nEm segundo, há que se considerar a ineficiência do sistema de cotas para solucionar as causas desta desigualdade. O problema educacional maior no país é relativo ao ensino fundamental e ao ensino médio, tanto em termos quantitativos como qualitativos.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nO desenvolvimento de políticas de cotas, em especial as relativas ao ensino superior, que atingem o resultado da desigualdade e não sua causa, é, até certo ponto, inócuo, pois não emancipa verdadeiramente o indivíduo, que permanece dependente de ações governamentais para sua inserção social. As ações afirmativas, para que possam efetivamente gerar os resultados pretendidos com sua implementação, não podem se restringir à criação de cotas nos variados setores de atividades desenvolvidas em sociedade. Antes<\/st1:personname>, devem ser realizadas conjuntamente com programas e projetos que atinjam as causas da desigualdade, para que possam efetivamente levar à igualdade de oportunidades entre os indivíduos. É na perquirição destas causas e de possíveis soluções para estes problemas que se pretende dar prosseguimento ao presente estudo.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nA Igualdade nos Planos Filosófico e Jurídico<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nDiversas questões de ordem filosófica e jurídica, bem como social, política e mesmo econômica tangenciam o tema. Desde a antiguidade, os filósofos buscam conceituar o que seja a igualdade. E a filosofia veio fornecer subsídios ao Direito para o estudo do tema. Ao juridicizar a igualdade, tornando-a um direito, o Direito conferiu caráter obrigatório a seu conteúdo. Juridicamente, portanto, o principal fundamento para a realização de ações afirmativas se encontra no direito à igualdade<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nA igualdade no plano filosófico<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nO ponto de partida para a abordagem filosófica da igualdade é a constatação de que somente cabe o seu questionamento no contexto de relações sociais, pois o indivíduo isoladamente considerado não representa parâmetro de comparação, e somente será possível perquirir a existência de igualdade ou desigualdade na medida em que haja mais de um objeto de análise, para que entre estes seja possível realizar a comparação. Por outro lado, se faz necessário o exame de uma característica especificada, em relação à qual será traçado o comparativo. [7]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nA igualdade, filosoficamente, se associa à idéia de justiça na distribuição dos escassos bens da vida, o que remonta ao pensamento grego, desde o período axial (séculos VII a II A.C.), culminando com o pensamento aristotélico exposto na “Ética a Nicômaco”.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nNeste período, especificamente o século V A.C., é que surgiu a filosofia, com conseqüente substituição do saber mitológico pelo saber lógico da razão. O homem passa ao centro da análise, sendo objeto de reflexão, o que se desenvolve no reconhecimento de uma natureza humana. [8] Aristóteles identifica a justiça, num sentido amplo, com a virtude, tendo por “homem justo” aquele que respeita a lei, pois esta tem por objetivo a vantagem comum, “de modo que, em certo sentido, chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar, para a sociedade política, a felicidade e os elementos que a compõem. E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem bravo […] quanto os de um homem temperante[…] e os de um homem calmo”.[9] Segundo o filósofo, aquilo que, tomando-se o indivíduo em relação a si mesmo tem-se por virtude, em relação ao próximo tem-se por justiça. A justiça distributiva, espécie da justiça particular, se refere à distribuição de honras, dinheiro ou quaisquer outros bens, vez que é possível a um indivíduo receber seu quinhão igual ou desigual ao atribuído a outro indivíduo. O igual é o ponto intermediário na distribuição destes bens, e corresponde, portanto, ao meio termo, que seria justo.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nEm Aristóteles, portanto, a igualdade é uma proporção na distribuição. Importante, ainda, é ressaltar que o filósofo associa a justiça na distribuição dos bens ao caráter meritório a orientar esta divisão, acenando no sentido de que o justo é a distribuição igual entre os iguais e desigual entre os desiguais[10] , na medida do mérito de cada um.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nEmbora seja precisa a lição do filósofo, o ponto principal de destaque, que não deve ser esquecido, é a identificação dos critérios que podem ser efetivamente usados para se considerar dois indivíduos iguais ou desiguais, e até que ponto é legítima a distinção com base nestes critérios, pois podem ser destacadas diferenças reais (desigualdades, como a raça ou o sexo dos indivíduos em comparação), que, contudo, não sejam hábeis a gerar, por efeito, o tratamento desigual (por exemplo, vedar o acesso de integrantes de um determinado grupo racial às linhas de transporte urbano prestado por uma empresa, ou proibir os indivíduos de um determinado sexo de participar de uma votação) .<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nThomas Hobbes, em Leviatã, apresenta os homens como seres essencialmente iguais em capacidade física e faculdades mentais, compensando-se as eventuais diferenças com outras características atribuídas pela natureza.[11] Também John Locke apresenta a igualdade como inerente ao homem em seu estado de natureza, destacando que são criaturas de mesma espécie e ordem, com acesso às mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, o que as torna iguais em termos de liberdade e, portanto, sem qualquer subordinação umas às outras. Assim, inexistiria superioridade ou jurisdição de um homem sobre o outro. [12]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nCharles Montesquieu igualmente professava a existência de um estado natural de igualdade entre os homens, que cessa tão logo se acham em sociedade, perdendo, destarte, o sentimento de fraqueza próprio da ausência de conhecimentos que lhe é característica, embora tivesse a faculdade de conhecer. Esta igualdade entre os homens no estado de natureza seria conseqüência das leis da natureza. [13]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nPaulino Jacques apresenta um panorama do tratamento filosófico dado ao tema da desigualdade, do qual se pode destacar, em suma, que duas ordens de desigualdade podem ser observadas: a natural e a social. O referido Autor admite a existência de um estado natural de desigualdade, decorrente das diferenças de idade, saúde, forças físicas e qualidades da alma, invocando a lição de Rousseau. Expõe, ainda, concordando com o filósofo alemão barão D’Holbach, que a desigualdade social é conseqüência da desigualdade natural, e conclui pela impossibilidade de se colocar todos os homens num mesmo plano de fruição de bens, funções e valores, ou seja, num mesmo plano de igualdade econômica, política e social, sob pena de se chegar a um dos dois extremos que apresenta: completa monotonia da sociedade civil, ou transformação desta em um campo de batalhas. [14]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nDe tudo quanto se lê a respeito, possível é concluir que o Homem, enquanto espécie, apresenta atributos universais, próprios de todos os indivíduos que a integram, e por isso geradores de igualdade. O homem, enquanto indivíduo, possui um conjunto próprio de atributos e características que o diferencia dos demais indivíduos da mesma espécie, o que lhe dá o direito à diferença, ou seja, de ver aquele diferencial respeitado pelo grupo em que se insere. Assim, condutas que visem eliminar estas diferenças impondo um padrão único a se seguir, ou ainda que discriminem um indivíduo no grupo a que pertence em função desta diferença, violam não só o direito à própria diferença, mas também e, principalmente, o direito à igualdade, de que é dotado em relação aos demais indivíduos do grupo, pelo fato de pertencer à Humanidade.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nA grande questão filosófica que se põe é exatamente compreender esta variação de grau e de contexto na visão que se pode ter da problemática da igualdade. O estudo filosófico, assim, ofereceu ao Direito subsídios para fundamentar e regular o direito a igualdade, bem como o direito à individualidade, que se traduz no respeito à diferença, em duas abordagens distintas de um mesmo direito.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nO real conteúdo da igualdade na sociedade somente se alcança, considerando-se o homem no seu ambiente de convivência com outros seres de sua espécie. Ainda aqui se aplica a lição de Aristóteles, sendo certo, contudo, que não esgota o tema e não soluciona os problemas fáticos daí derivados, na medida em que não apresenta preceitos que esclareçam a legitimidade dos critérios usados para se considerar um indivíduo igual ou desigual a outro.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nOutra conclusão a que se chega é a de que a igualdade não tem conteúdo próprio, mas é a medida do equilíbrio entre os indivíduos na correlação dos direitos que titularizam (no âmbito jurídico, genericamente considerados), ou, tratando-se da matéria em sentido amplo, na correlação entre suas características pessoais ou ainda na inter-relação destas, inclusive considerado o contexto social em que se encontram. Assim é que a liberdade de um não pode ter valor maior do que a liberdade do outro, a vida de um não terá maior valor do que a do outro. Os critérios de igualdade vão, desta forma, equilibrar a valoração destes direitos (não só vida e liberdade, mas quaisquer outros que se insiram no contexto social), de modo que um mesmo direito não venha a ter pesos diversos para indivíduos entre si considerados, como seres de uma mesma espécie.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nOs fundamentos filosóficos específicos das ações afirmativas, por sua vez, são dois postulados filosóficos principais: justiça compensatória e justiça distributiva.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nSegundo o fundamento da justiça compensatória, as ações afirmativas seriam o modo de correção de erros sociais ou mesmo estatais cometidos no passado. A discriminação passada a grupos específicos de indivíduos – não necessariamente raciais ou étnicos, mas também outros que por alguma motivação histórica e social, de natureza discriminatória, foram preteridos na titularização ou no gozo de direitos reconhecidos ou de bens da vida (por exemplo, as mulheres ou os idosos) – seria causa de inegáveis ônus sociais deixados às gerações seguintes, ou seja, de um dano ao grupo social, que demanda reparação. Portanto, segundo este postulado, a ação afirmativa seria o instrumento de restauração de um equilíbrio antes rompido e cuja ruptura acarretou por conseqüência uma injustiça na distribuição das vantagens e benesses da sociedade. [15]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nJá o fundamento da justiça distributiva se embasa no reconhecimento do direito de indivíduos ou grupos a reivindicarem vantagens, bens ou benefícios aos quais teriam acesso se houvesse justiça social no meio social em que vivem, ou seja, se houvesse adequada distribuição – ou seja, igualitária – dos bens, vantagens e ônus da vida em sociedade. Assim<\/st1:personname>, as ações afirmativas teriam relação, principalmente, com a redistribuição de ônus e vantagens, dos bens, enfim, entre os membros da sociedade. Sua finalidade, portanto, não seria reparar danos passados decorrentes de discriminação por meio de ações compensatórias dos mesmos, mas promover a distribuição equânime dos bens, direitos e vantagens entre os indivíduos, o que por si só mitigará os efeitos da discriminação outrora praticada. [16] As ações afirmativas têm por finalidade atender ambos os fundamentos.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nA igualdade no Direito<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nJuridicamente, o conceito de igualdade foi fruto de evolução normativa e doutrinária concomitante ao desenvolvimento dos direitos fundamentais. Seu reconhecimento, quando das primeiras declarações de direitos – inspiradas pelo Iluminismo, base das revoluções liberais por meio das quais adquiriu-se a noção de que o indivíduo é ser distinto do Estado, contrapondo-se a ele – implicava na igualdade de todos perante a lei. Assim, a lei não poderia ser aplicada distinguindo-se entre os indivíduos destinatários da norma.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nTratava-se de igualdade formal [17] , oriunda da consideração do indivíduo como ser abstrato e dotado de direitos naturais a todos inerentes e, por isso, impassível de diferenciações pelo nascimento. Lembre-se que, ainda aqui, não se falava em igualdade material, e não havia nela caráter concreto. Indivíduos de um mesmo grupo deveriam receber tratamento idêntico, contudo, nada impedia que grupos distintos tivessem tratamento diferenciado, e, ainda assim, independentemente da hoje exigida razoabilidade do discrímen – característica distinta que gera diferenciação no tratamento legal. Deste modo, por exemplo, quanto ao direito de voto, que não era universal, mas apenas de homens que fossem proprietários. [18]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nA finalidade do reconhecimento do direito à igualdade, na verdade, era acabar com a ordem estamental, com as diferenças impostas pelo nascimento, pois no pensamento liberal, a determinação da igualdade obrigava o juiz e o administrador a não fazer distinção onde a lei não a fizesse, ou seja, não se poderia criar distinções na aplicação da lei, naquilo que esta não distinguisse. O legislador podia criar ou manter desigualdades – relativas àquele grupo de direitos e características inerentes ao ser humano enquanto indivíduo – sem que estas implicassem em violação efetiva da igualdade. [19]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nCom o advento do Estado Social, a igualdade evoluiu em seu conceito para abranger também o legislador (vedação da desigualdade na lei), e ganhou conteúdo material. Desta forma, a igualdade perante a lei cedeu lugar à busca pela igualdade fática, de natureza concreta, obrigatória não mais apenas ao julgador e ao administrador, mas também ao legislador. A partir de então, a igualdade passa a ser exigência para a própria lei, e não apenas para aquele que a aplica. Ademais, a igualdade material, no contexto do reconhecimento dos direitos sociais, exige mais do que a não diferenciação, a não discriminação. Exige atos concretos que viabilizem a igualdade no plano fático, gerando a chamada igualdade de oportunidades. [20] Esta, segundo, Maren Guimarães, passou a ser pensada sob a premissa de que se deve “colocar todos os membros da sociedade em condições iguais de competição pelos bens da vida considerados essenciais”. [21]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nAssim, a busca pela igualdade material passa a exigir a atuação concreta no sentido de se assegurar a cada indivíduo a fruição daqueles direitos que titulariza por ser da espécie humana, mantendo-se a vedação à desigualdade, quer na lei, quer em sua aplicação, em relação aos dois aspectos da natureza humana (tanto como indivíduo quanto como integrante de uma espécie). É importante, ainda, ressaltar que os direitos sociais têm a finalidade de implantar a igualdade material. São instrumentos de tal igualdade, mas não se confundem com as ações afirmativas nem são estas integrantes daqueles.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nSeus âmbitos de incidência são distintos, e seus fundamentos diversos, de modo que são dois instrumentos de efetivação do princípio da igualdade, que interagem, mas não se fundamentam mutuamente, embora as ações afirmativas possam ser meios de se assegurar a determinados grupos sociais o acesso ao exercício dos direitos sociais.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nPode-se, ante esta constatação, distinguir dois aspectos da igualdade, seja como direito do indivíduo, ou como princípio de um ordenamento jurídico. Por um lado, tem-se a vedação à discriminação, num caráter proibitivo da igualdade, a proibição às distinções, e por outro, o seu aspecto positivo, ou seja, de atuação concreta para a implementação da efetiva igualdade, o que se atinge por meio do pleno exercício dos direitos sociais. Estes sempre levam a concretização social da igualdade. Já as ações afirmativas podem ou não vir a assegurar a igualdade, podendo, até mesmo, violar este princípio\/direito, na medida em que atuam por meio da discriminação, chamada positiva.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nIgualdade no Direito Brasileiro<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nÉ possível vislumbrar no Direito Brasileiro, a aceitação de ambos os aspectos supra-referidos do princípio da igualdade. A Constituição Federal, em seu preâmbulo, apresenta a igualdade como um dos valores supremos da sociedade brasileira. Em seu art. 3º, dispõe expressamente que um dos objetivos fundamentais do país, enquanto república, é a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Vê-se, portanto, que já na descrição dos objetivos fundamentais do país a Constituição destaca a vedação à discriminação negativa (quando faz referência à vedação ao preconceito e outras formas de discriminação), bem como a necessidade de se desenvolver atividades que promovam a igualdade de todos, o que pode ser considerado o aspecto positivo deste princípio de ordem constitucional. Sua configuração, todavia, conforme se extrai do art. 5º, caput, não é apenas de princípio, a orientar, vinculativamente, a interpretação das normas jurídicas que compõem o ordenamento do Estado brasileiro, mas de efetivo direito de todos. [22]<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nPartindo-se da premissa de que o ordenamento constitucional brasileiro acolheu o princípio da igualdade material, cumpre destacar que não se trata de exigir tratamento igualitário pela lei a todos os indivíduos, mas de identificar as desigualdades e tratar de modo desigual os desiguais [23], não para aprofundar a desigualdade, mas para combatê-la, chegando-se a um ponto de equilíbrio entre os indivíduos nas relações privadas, e promover a efetiva igualdade no contexto das relações sociais, assegurando-se a todos o mesmo grau de acesso aos bens da vida, ou fruição dos direitos.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nAssim, por exemplo, tendo-se reconhecido a desigualdade entre as partes de uma relação de consumo – consumidor e fornecedor – com clara vulnerabilidade do primeiro, criou-se a sobre-norma de proteção ao consumidor (Lei 8078\/95). Sua finalidade, contudo, não é desequilibrar a relação contratual a favor do consumidor, com inversão do desequilíbrio até então existente, mas reequilibrar a relação jurídica existente, colocando ambas as partes envolvidas num mesmo nível, ou seja, restabelecendo a situação de paridade, de igualdade entre as partes.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\nAssim também ao haver previsão legal de medidas específicas aplicáveis a crianças e adolescentes em situação de risco aos direitos que titularizam (art. 98, Lei 8069\/90), medidas estas que visam reequilibrar a situação daquela criança dentro da sociedade, assegurando-lhe o acesso aos mesmos direitos das demais crianças, as quais não se encontram em situação de risco.<\/o:p><\/font><\/font><\/span><\/p>\n