A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS<\/font><\/strong><\/p>\nPublicado em Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 7, n.27, p. 168-184, jul.\/set. 2004. Luciana de Oliveira Leal Halbritter<\/font><\/p>\n <\/font><\/font><\/p>\n\n
<\/p>\n<\/p>\nResumo: A complexidade e a massificação das relações sociais levaram a necessidade de se desenvolverem meios processuais de tutela dos direitos e interesses de alcance coletivo então surgidos. As ações coletivas vieram ao ordenamento brasileiro com esta função, e considerando-se a larga repercussão das decisões proferidas, torna-se relevante estudar a coisa julgada nas ações coletivas.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nPalavras-chave: coisa julgada – ação coletiva – sentença – interesses difusos – interesses coletivos – interesses individuais homogêneos<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nSUMÁRIO<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n1)Introdução; 2) A Coisa Julgada; 3) Conceito e Evolução; 4) Limites Objetivos e Subjetivos; 5) Ações Coletivas; 5.1 Conceito; 5.2 Os Interesses Tutelados nas Ações Coletivas; 5.3. A Sentença nas Ações Coletivas; 6) Coisa Julgada Nas Ações Coletivas; 7) Conclusão; Bibliografia<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n1)Introdução<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nA complexidade das relações sociais, que se massificaram, e o surgimento da consciência de existirem direitos e interesses de alcance coletivo, diversos dos direitos individuais legalmente tutelados, levaram à criação e ao desenvolvimento concomitantes de meios processuais de tutela destes direitos.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nO Código de Processo Civil Brasileiro, de 1973, regula o processo minuciosamente, todavia, de modo compatível com o direito individual, e portanto incompatível com o tratamento coletivo da matéria. O processo coletivo começou a se delinear por legislação esparsa, associada a cada tipo de procedimento que se construía. Assim foram a Lei da Ação Civil Pública, da Ação Popular, e outras, que não trataram de modo uniforme a questão, mas tão-somente regularam o procedimento a ser seguido naqueles casos específicos aos quais se aplicavam.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nA sistematização maior da matéria veio com o Código de Defesa do Consumidor, que por dispositivos seus integrou a sistemática da ação civil pública à sua, criando um verdadeiro sistema de ações coletivas em sentido lato.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nE uma das questões de maior relevo pertinentes ao tema é a referente à formação da coisa julgada e sua extensão. Pois por se tratar de direitos sem titular individualizado, cuja representação processual tem aspectos próprios, a aplicação pura e simples das normas do Código de Processo Civil, adequadas ao processo individual, não se mostra adequada aos direitos que são objeto de tutela, com riscos extremos a estes, dada a amplitude de que se revestem.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nNeste contexto é que se insere o tema em estudo, da coisa julgada nas ações coletivas, por seu tratamento legal específico e diferenciado, decorrente da própria natureza dos direitos tutelados, assim como da dimensão que assumem, e da gravidade de suas conseqüências.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n2) A Coisa Julgada<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n2.1 Conceito e Evolução<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nEnrico Túlio Liebman define a coisa julgada como “a imutabilidade do comando emergente da sentença […] uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato”.<\/span>
<\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nA teoria da coisa julgada proposta por Liebman foi acolhida no Direito Pátrio pelo Código de Processo Civil de 1973. Todavia, outras teorias precedentes tentaram explicar o fenômeno, cuja evolução levou ao posicionamento atual.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nNo Direito Romano Clássico, a sentença era fonte de direito novo, em razão da consumação da actio, sem a qual inexistia o próprio direito material em questão. Assim<\/st1:personname>, a coisa julgada era efeito da sentença, ou, mais propriamente, seu único efeito. A sentença sequer declarava o direito no caso concreto, pois o criava. Ou haveria a imposição de uma obrigação ou a liberação da obrigação, e a impossibilidade de nova ação decorria logicamente desta circunstância. Na ausência de um sistema recursal, a imutabilidade se verificava tão logo fosse proferida a sentença. Seu sentido era o de dar solução definitiva e indiscutível à relação controvertida.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nCom Justiniano, passou-se a distinguir os efeitos da sentença de sua autoridade. Porém, fazia-se, e ainda por muito tempo se fez, a identificação da coisa julgada com a declaração do direito no caso concreto, contida na sentença.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nA doutrina avançou no estudo dos efeitos da sentença, classificando-os, e passou-se a identificar a coisa julgada com o efeito declaratório da sentença. Seria, portanto, a presunção de veracidade do direito nela declarado.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nChiovenda quis desvincular a coisa julgada do processo, vendo nela seu caráter imperativo, , que produz certeza<\/span>)<\/span><\/span>sentença<\/span>(<\/span><\/span>como efeito de ato de vontade emanado do Estado <\/span>sobre o direito em apreciação.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nLiebman bem equacionou a questão: “Uma coisa é distinguir os efeitos da sentença segundo sua natureza declaratória ou constitutiva, outra é verificar se eles se produzem de modo mais ou menos perene e imutável. De fato, todos os efeitos possíveis da <\/span>podem, de igual modo,<\/span>)<\/span><\/span>declaratório, constitutivo, executório<\/span>(<\/span><\/span>sentença <\/span>imaginar-se, pelo menos em sentido puramente hipotético, produzidos em sentido puramente hipotético produzidos independentemente da autoridade da coisa julgada, sem que por isso lhe desnature a essência. A coisa julgada é qualquer coisa mais que se ajunte para aumentar-lhes a estabilidade, e isso vale igualmente para todos os efeitos possíveis das sentenças”.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nAdota-se, portanto, o conceito de coisa julgada formulado por Liebman.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nA coisa julgada assume ainda dois aspectos:<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nI) o formal, que é a imutabilidade da sentença como ato processual, interna no processo e conseqüência da preclusão da via recursal (perda da faculdade processual de recorrer).<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nII) o material, que é a imutabilidade dos efeitos da sentença, estendida para além do processo, e que afeta apenas as sentenças de mérito (ou seja, que decidem sobre a relação jurídica material objeto do processo).<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nO fundamento da coisa julgada, como imutabilidade da sentença e de seus efeitos, é exatamente a segurança nas relações jurídicas, com conseqüente pacificação social. Entre os valores certeza e segurança, trata-se de opção legislativa o prestígio dado a um ou a outro. Se os recursos primam pela certeza, a coisa julgada garante a segurança. Daí o seu fundamento, não só jurídico, mas político, e o que justifica sua imposição (a extinção da controvérsia, e assim do litígio, de modo a preservar ou restabelecer a paz social).<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n2.2 Limites Objetivos e Subjetivos<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nA coisa julgada, como imutabilidade dos efeitos da sentença, tem limites objetivos e subjetivos. Os primeiros se referem à matéria sobre a qual irá incidir. Os segundos estabelecem que pessoas serão afetadas, ou seja, submetidas à imutabilidade da sentença.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nObjetivamente, a sentença apenas se revestirá da autoridade da coisa julgada em sua parte dispositiva. A plena delimitação da incidência, contudo, depende da apreciação da motivação dada para a decisão, pois por meio dela será possível delimitar o objeto do processo e, portanto, dos efeitos da sentença.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nCerto é que fica limitada aos pedidos da parte, independentemente da amplitude dada às discussões, argumentos e defesas sobre aqueles ou questões afins.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nParece correto afirmar que os motivos da decisão têm relevância apenas na medida em que delimitam o alcance do provimento dado e expõem, analiticamente, a causa de pedir, também a delimitando. A partir desta análise é que será possível verificar a tríplice identidade (partes, pedido e causa de pedir) que caracteriza ações idênticas, dando ensejo à apreciação da preliminar de coisa julgada.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nO art. 472 do Código de Processo Civil brasileiro estabelece que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando ”.<\/span>)<\/span><\/span>terceiros (…<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nAssim, a regra é que a imutabilidade da sentença e de seus efeitos apenas atinge as partes do processo no qual a decisão foi prolatada. Isto não impede, porém, que os efeitos da sentença se produzam, também, perante terceiros (pois como já visto acima, a imutabilidade – coisa julgada – e os efeitos da sentença não se confundem). O que prevalece é o princípio da relatividade. Contudo, em diversas circunstâncias é necessário que haja a extensão a terceiros. Por exemplo, nas ações de estado, em que este deve ser permanente e o mesmo perante todos .<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nO importante, para que seja possível a referida extensão, é que haja aos terceiros interessados meios de afastar a coisa julgada, ou de se excluir da incidência do julgado. Trata-se de discussão doutrinária e jurisprudencial hoje relevante a questão da garantia do contraditório e da ampla defesa a terceiros que tenham interesse jurídico, em razão de estarem suscetíveis de serem afetados em suas esferas jurídicas pelo direito declarado em sentença, proferida em processo do qual em princípio não participam.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nRessalte-se apenas que a coisa julgada, tal como até aqui explicada tão-somente se refere às lides individuais, e não às coletivas, que envolvem direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Nestas, a coisa julgada ocorre secundum eventun litis, e será de regra erga omnes.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n3) Ações Coletivas<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n3.1. Conceito<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\nO processo civil, originariamente, surgiu com a finalidade de instrumentalizar a solução dos conflitos individuais de interesses. Ou seja, conflitos em que os interesses tutelados se restringem à esfera jurídica dos litigantes, sem que afetem outros titulares do mesmo interesse objeto da lide. Não havia a noção de interesse coletivo, e, portanto, não havia correspondente processo coletivo. Não havia a consciência da coletividade como titular de direitos ou interesses jurídicos.<\/span><\/o:p><\/span><\/font><\/font><\/p>\n