A ONEROSIDADE EXCESSIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Publicado em Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 6, n.21, p. 155-165, 2003. Idem Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro n. 55, p. 63. Luciana de Oliveira Leal Halbritter

Resumo: os contratos vinculam as partes contratantes segundo a vontade por elas manifestada, destacando-se o princípio da força obrigatória dos contratos e da autonomia da vontade. Contudo, situações fáticas podem levar ao desequilíbrio das prestações do contrato, dando ensejo a desigualdade entre as mesmas. Neste caso, pode se caracterizar a onerosidade excessiva, prevista no CDC, que permite a revisão do contrato.

Palavras-chave: contrato; autonomia da vontade; pacta sunt servanda; teoria da base do negócio jurídico; onerosidade excessiva, CDC; consumidor; código civil

Sumário

Introdução; 1- Evolução Histórica; 2- Conceito; 3- Fundamentos Teóricos da Onerosidade Excessiva; 4- Requisitos; 5- Onerosidade Excessiva no Código de Defesa do Consumidor 6- Onerosidade Excessiva no Novo Código Civil; Conclusão; Bibliografia.

Introdução

O contrato se conceitua como “negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”. Dentre os princípios que o regem, assim como a seus efeitos, destaca-se dois, de maior relevo para a compreensão do tema: o da força obrigatória dos contratos e o da intangibilidade.

Pelo princípio da força obrigatória dos contratos, tem-se a obrigatoriedade de seu cumprimento pelas partes contratantes, tal como avençado, sendo o contrato considerado “lei entre as partes”. Sua justificativa é a própria autonomia da vontade. Pelo princípio da intangibilidade, é vedada qualquer alteração não consensual do conteúdo do contrato, como conseqüência da irretratabilidade.

Outro aspecto relevante a ser destacado é o econômico. O conteúdo do contrato como negócio jurídico que é de regra tem natureza econômica. Assim, não apenas as nuances jurídicas da questão, mas também as econômicas devem ser consideradas, para que seja possível uma regulação justa dos contratos. Segundo Enzo Roppo, “o contrato-conceito jurídico e o direito dos contratos são instrumentais da operação econômica, constituem a veste formal, e não seriam pensáveis abstraindo dela…”

[1].

O pacta sunt servanda é aspecto jurídico que não deve se sobrepor aos aspectos econômicos, práticos, do desenvolvimento dos vínculos contratuais. E em razão mesmo destes serem o seu conteúdo material, o contrato se baseia em equilíbrio das prestações devidas e em previsão das margens de ganho e perda para cada contratante. Circunstâncias acontecem que afetam este equilíbrio, causando ganho de uma parte e perda da outra que ultrapassam esta margem já prevista de lucro e prejuízo. Nestes casos, diz-se haver onerosidade excessiva. Esta, em outros tempos, ensejou o surgimento da cláusula “rebus sic stantibus”, presumida nos contratos comutativos. Por meio dela, permitia-se a resolução do contrato em razão da onerosidade excessiva que sobreviesse ao momento da formação do contrato, assim como sua modificação para que se pudesse preservar o vínculo negocial.

A cláusula “rebus sic stantibus”, portanto, veio constituir exceção ao princípio da força obrigatória dos contratos, assim como ao da intangibilidade. A superveniência de fato que alterasse o equilíbrio econômico do contrato autorizava sua resolução, com retorno ao estado anterior – desobrigando a parte cuja prestação se tornou excessivamente onerosa, o que excepciona o princípio da força obrigatória – ou ainda a alteração do contrato, restabelecendo-se o equilíbrio entre as partes – o que representa exceção ao princípio da intangibilidade, pois a alteração decorre de decisão judicial, imposta às partes, prevalecendo, portanto, sobre o consenso.

1) Evolução Histórica

A origem do instituto se encontra na cláusula rebus sic stantibus, do Direito da Idade Média, que foi abandonada por muito tempo em razão da tradição jurídica romana, que privilegiava o princípio do pacta sunt servanda. A cláusula mencionada, segundo Caio Mário, consistia em: “presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula, que não se lê expressa, mas figura implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu cumprimento rigoroso, no pressuposto de que as circunstâncias ambientes se conservem inalteradas no momento da execução, idênticas às que vigoravam no da celebração” [2].

No Direito Medieval, a cláusula era admitida em razão da visão então prevalente do contrato. Era ínsita a noção de ética, de modo que sua finalidade última era sempre a justiça comutativa.

O desenvolvimento do contrato, das relações econômicas, políticas e sociais levou a alterações neste conceito. Com a queda das Monarquias Absolutistas e a valorização da liberdade e do individualismo, passou-se a privilegiar a autonomia da vontade, tornando obrigatório o contratado, independentemente de sua justiça, na medida em que o vínculo somente ocorria em decorrência da manifestação de vontade do contratante.

Voltou a prevalecer o pacta sunt servanda, sem que se pudesse excepcionar o contrato pela cláusula rebus sic stantibus, já então não considerada como implícita no contrato. No Código de Napoleão, por exemplo, houve previsão expressa, no art.1134, da força de lei do contrato. As legislações posteriores, em diversos países, inclusive o Código Civil Brasileiro de 1996, que seguiu sua orientação, mantiveram o mesmo espírito liberal, a rejeitar a admissibilidade da cláusula rebus sic stantibus.

Com a Primeira Guerra Mundial, que acarretou desequilíbrio geral na economia mundial e, em conseqüência, nos contratos, retomou-se a idéia da cláusula em questão. No Direito Italiano, foi inserido no Código Civil de 1942 norma expressa admitindo a resolução de contrato por onerosidade excessiva.

No Direito alemão, por construção jurisprudencial, extraiu-se do art.242, BGB, o princípio da teoria da imprevisão, por meio da equiparação da onerosidade excessiva à impossibilidade de cumprimento de uma obrigação. Passou-se a admitir, nestes casos, a impossibilidade subjetiva de caráter econômico conseqüente da onerosidade excessiva como causa de modificação e resolução de contratos.

No Direito Brasileiro, conforme acima mencionado, não havia à época do Código Civil de 1916 norma expressa admitindo a aplicação da cláusula rebus. Sua utilização decorreu de esforços doutrinários e jurisprudenciais no sentido de tutelar interesses individuais e sociais no cumprimento das finalidades dos contratos, já então inseridos numa nova ordem, em que prevalece o dirigismo contratual – contraposto à liberdade contratual e absoluta autonomia da vontade. Segundo Nelson Nery Júnior, o revisionismo contratual já estava presente no Código civil, arts. 401, 928, 954, 1190, 1250 e 1399, mas outros dispositivos parecem repeli-lo.

Além da aplicação jurisprudencial da teoria da imprevisão em relações jurídicas contratuais regidas pelo Código Civil, a legislação especial posterior passou a prever expressamente seu cabimento, o que culminou com a previsão, também explícita, da onerosidade excessiva como causa de resolução ou modificação de contratos no novo Código Civil [3].

2) Conceito.

Segundo Orlando Gomes, a onerosidade excessiva ocorre “quando uma prestação de obrigação contratual se torna, no momento da execução, notavelmente mais gravosa do que era no momento em que surgiu” [4].

Segundo Enzo Roppo, trata-se de causa de resolução do contrato que se caracteriza basicamente por “desequilíbrio de valor econômico entre os dois termos da troca contratual combinada entre as partes” [5], sendo sua finalidade a tutela da economia originária do contrato e seu fundamento a justa e oportuna repartição entre os contraentes do risco das circunstâncias supervenientes. Insere-se no contexto das causas que afetam a execução do contrato, manifestando-se após a formação do vínculo.

Não é, porém, qualquer circunstância que gera onerosidade excessiva passível de provocar a resolução do contrato, pois variações nas prestações das partes são normais, e se inserem no risco contratual, assumido por ambas, de acordo com a matéria objeto do contrato e dentro do que é esperado em uma relação contratual. Ademais a causa da onerosidade excessiva deve ser superveniente.

3) Fundamentos Teóricos da Onerosidade Excessiva

É possível reduzir a duas as teorias que embasam a aplicação aos contratos da cláusula rebus sic stantibus, por serem as principais e de maior aceitação: teoria da imprevisão e teoria da base do negócio jurídico.

Há distinções relevantes entre ambas, e que alteram profundamente a apreciação prática da caracterização de um fato como causador de onerosidade excessiva. A semelhança é que ambas permitem a resolução do contrato ou sua revisão em razão da onerosidade da prestação de um dos contratantes. Porém o ponto principal da distinção se encontra em seus diversos fundamentos, com reflexo no que se possa considerar onerosidade excessiva.

Segundo a teoria da imprevisão, a onerosidade excessiva se caracteriza perante a ocorrência de fato superveniente à formação do contrato, extraordinário e imprevisível para os contratantes e que torne a prestação extremamente sacrificante para um deles e desproporcionalmente vantajosa para o outro. Não haveria que se falar em onerosidade excessiva, portanto, se o fato, embora imprevisto, fosse previsível no momento da formação do contrato ou fosse normal, ainda que excedente do risco do contrato (fato não extraordinário).

Já no que se refere a teoria da base do negócio jurídico, desenvolvida pelo jurista alemão OERTMANN, a caracterização da onerosidade excessiva se dá de modo diverso. Paulo Carneiro Maia explica que:“Entende-se por base do negócio jurídico, no dizer de OERTMANN, o que uma das partes, ou ambas em comum, pensam a respeito de certas circunstâncias que existam ou tenham de apresentar-se, e sobre as quais descansa a vontade de concluir o negócio, sempre que isso se revele, de algum modo, à parte contrária no momento da conclusão, sem que esta tenha o que objetar.”[6]

Significa dizer que o contrato é celebrado dentro de um contexto fático específico, ao qual se refere e para o qual é adequado, segundo a vontade manifestada pelas partes. Se este contexto se altera, para os contratantes, objetiva e involuntariamente, sem que haja culpa lato sensu de qualquer deles, está alterada a base do negócio jurídico, o que vem a justificar, conforme o caso, sua alteração ou resolução.

Eis as duas teorias de maior destaque que fundamentam a aplicação da cláusula rebus sic stantibus. Adiante será demonstrado que, no Direito Brasileiro, e de acordo com a legislação vigente, ambas as teorias têm aplicação, tendo sido incorporadas às leis em vigor.

4) Requisitos

Como já esclarecido acima, doutrina e jurisprudência construíram a aplicação da teoria da imprevisão nas relações contratuais regidas pelo Direito Brasileiro.

São requisitos para que se configure circunstância de onerosidade excessiva nas relações jurídicas regidas pelo Código Civil Brasileiro, com fundamento na teoria da imprevisão:

a- Que se trate de contrato comutativo, de execução diferida, seja única (mas diferida) a prestação ou de prestações sucessivas. Não se aplica aos contratos aleatórios, em que a álea é ínsita ao negócio jurídico. Para que seja possível sua caracterização, é necessário que os momentos de formação e execução do contrato estejam distanciados no tempo. Se houver circunstância pré-existente, esta não poderá ser tida como causa superveniente, porque anterior à formação do contrato, e, portanto, passível de ser considerada pelas partes no momento da formação do contrato. Se circunstância surgida após a execução da avença, o negócio em si já se esgotou, já estando cumprido o contrato e extintas as obrigações dos contratantes. O que se poderia considerar afetado por causas supervenientes à própria execução do contrato são os interesses subjetivos de cada contratante, irrelevantes para a avença.

b- Alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo da celebração, que acarrete extrema dificuldade de cumprimento da obrigação de uma das partes. Significa, ainda, que as causas afetam o contrato para qualquer pessoa que nele esteja obrigada, e não apenas subjetivamente para o contratante que se vê naquela situação (não se trata de dificuldade individual, mas gerada pela conjuntura em que se deve executar o contrato – fenômeno com caráter de generalidade).

c- Que decorra de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. E se há contribuição da parte para o fato que torna onerosa a prestação, com conduta indiligente, descaracteriza-se a onerosidade excessiva. O descumprimento configura, então, inexecução voluntária do contrato. Por exemplo, a imprevista desvalorização da moeda. Já não irá configurar a onerosidade excessiva a progressão da inflação que já se manifesta há tempos (exemplo dado por Enzo Roppo, na obra já referida).

A resolução do contrato por onerosidade excessiva decorre necessariamente de decretação judicial, pois ao juiz incumbe verificar a existência dos requisitos de caracterização da onerosidade, e valorar se agravam a situação do requerente a tal ponto que torne extremamente difícil o cumprimento do contrato. Se se tratar de relação jurídica de execução única, mas diferida, retorna-se ao estado anterior. Se de execução continuada, não afeta as prestações já satisfeitas. Segundo Caio Mário, as prestações pagas antes do ingresso em juízo não podem ser revistas, mas as que forem pagas no curso da lide estarão sujeitas a modificação na execução da sentença que for proferida. No novo Código Civil, há norma expressa (art.478, parágrafo único), que fixa como termo inicial para esta modificação a citação. Estando em mora o devedor, se advém causa de onerosidade, deixa de poder haver a resolução, pois a responsabilidade por todos os riscos é daquele que estiver em mora em sua prestação. Segundo Enzo Roppo, a respeito dos riscos do contrato: “[…] se não se verificam todos os requisitos, e, portanto, a operação permanece, bem podemos dizer que os acontecimentos supervenientes incidem apenas sobre a parte que sofre diretamente as conseqüências econômicas, enquanto que a parte contrária é exonerada do risco de perder a contraprestação que lhe é devida contratualmente e os proveitos que dela poderá tirar; se, porém, a resolução é decretada e extingue a operação, isto significa justamente que tal risco é atribuído à parte contrária (enquanto a parte onerada, por sua vez, condivide o mesmo risco, mas é, conseqüentemente, liberta daquele – para ela mais gravoso – consistente em ficar ligada a um negócio que as circunstâncias ocorridas tornaram, do seu ponto de vista, pesadamente desvantajoso)”.

No Direito Italiano, há norma expressa que determina ser possível apenas a resolução do contrato pela via judicial, e não a sua adaptação, salvo concordância expressa do outro contratante. No Direito Brasileiro, ao contrário, prima-se pela preservação do vínculo contratual, sendo admissível, conforme o caso e o que for pedido pelo interessado, a resolução do contrato ou a manutenção do vínculo com adaptação de suas cláusulas.

5) Onerosidade Excessiva no Código de Defesa do Consumidor

O art.6o, inc. V, CDC estabelece: “São direitos básicos do consumidor: V- a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Segundo José Geraldo Brito Filomeno, este dispositivo consagrou a cláusula rebus sic stantibus, implícita em qualquer contrato, em especial nos que imponham ao consumidor obrigações iníquas ou excessivas/onerosas. [7]

Com a possibilidade de alteração das cláusulas, ao contrário do ensinado por Enzo Roppo – quanto ao direito Italiano – tem-se a relativização do princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, dando-se ênfase à conservação do vínculo em face do pacta sunt servanda. A possibilidade de alteração do contrato é dada ao consumidor, assim como podem consumidor ou fornecedor pedir a resolução do contrato quando de nulidade de cláusula decorra ônus excessivo a qualquer deles, conforme art. 51, §2º, CPC.

O direito do consumidor que é assegurado no art. 6º, V, é o de modificar cláusula que estabeleça prestação desproporcional ou de obter a revisão do contrato quando sobrevenham fatos que tornem as prestações excessivamente onerosas.

No 1º caso, assim como no 2º, não se exige que haja imprevisibilidade da causa da revisão. No 1º caso, inclusive, a cláusula é inicial. Não há sequer fato superveniente, mas apenas ajustamento de contrato que em sua formação já é excessivamente oneroso para uma das partes. Embora se possa falar em onerosidade excessiva em razão da referência à “prestação desproporcional”, neste primeiro caso não se pode dizer que o instituto esteja caracterizado tal como vem sendo estudado na doutrina e na jurisprudência, já que não se refere a fato superveniente a formação do contrato. O que há é desproporção de prestações em conseqüência da hipossuficiência do consumidor no momento da formação do vínculo.

No 2º caso, o fato há de ser superveniente, todavia independe da imprevisibilidade, que é exigida quando da revisão de cláusulas ou resolução do contrato no âmbito das relações contratuais regidas somente pelo CC.

Trata-se, aqui sim, da aplicação da teoria da base do negócio jurídico, com os contornos anteriormente demonstrados. Justifica-se a diferença de tratamento em comparação com o que se emprega nas relações jurídicas regidas pelo Código Civil Brasileiro, em razão da característica especial da relação de consumo. Nela, há parte por natureza hipossuficiente – o consumidor- e submetida à vontade do mais forte – fornecedor. A proteção ao consumidor, à boa-fé objetiva e aos direitos daquele autorizam a diferenciação no tratamento de questões similares e se coaduna à finalidade protetiva do Código de Defesa do Consumidor.

Neste sentido, leciona Cláudia Lima Marques: “A expressão onerosidade excessiva do art.6o, V, do C.D.C. não encontra sua fonte no Código Civil Italiano de 1942, que, em seu art.1467, exige a ocorrência de evento extraordinário e imprevisível, nem no Projeto de Código Civil Brasileiro de 1975, art.478, que além da onerosidade excessiva exigia a ‘extrema dificuldade’, mas sim nas teorias mais modernas e objetivas, especialmente a teoria da Base do Negócio Jurídico[…]” [8]

Segundo Nelson Nery Júnior, nesta 2a hipótese, o juiz proferirá sentença determinativa, de conteúdo constitutivo – integrativo e mandamental, exercendo atividade de modificação ou complementação de relação jurídica já constituída.

Em conclusão, a onerosidade, para o consumidor, pode ter 3(três) conseqüências:

– Direito de modificação da cláusula, para preservação do equilíbrio do contrato (primeiro caso acima mencionado);

– Revisão do contrato em razão de fato superveniente não previsto pelas partes quando da conclusão do contrato;

– Nulidade da cláusula que traga desvantagem exagerada ao consumidor(art. 51, IV e §1º, III, CDC).

6) Onerosidade Excessiva no Novo Código Civil (L. 10.406/2002)

Dentre as modificações a serem introduzidas na legislação civil brasileira por projeto de lei recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal (Projeto de Lei n.634 de 1975) está a previsão de resolução de contratos em razão da onerosidade excessiva, na forma dos artigos 317 e 478/480: “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

Há, assim, adoção expressa da teoria da imprevisão, com exigência de extraordinariedade e imprevisibilidade dos acontecimentos que acarretem a onerosidade excessiva. Outra exigência, que não pode ser entendida como existente na aplicação que vem tendo atualmente a teoria, é a de “extrema vantagem para a outra”. Não mais se limitam os requisitos, além dos referentes aos acontecimentos em si, à excessiva onerosidade da prestação de uma das partes, mas exige-se ainda a extrema vantagem da outra.

Esta é uma diferença de aplicação da teoria da imprevisão nas relações jurídicas regidas pelo Código Civil Brasileiro. Com a entrada em vigor do novo código, passa-se a exigir verificação da extrema vantagem para a configuração da onerosidade excessiva, o que hoje não é essencial. A tendência moderna, todavia, é a ampliação da incidência das regras e princípios que regulam o Direito do Consumidor a todo o Direito das Obrigações, e naquele prevalece a teoria da base do negócio jurídico.

Já o art. 317 dispõe que: “Art.317.Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Neste aspecto a nova lei afasta-se do modelo italiano, na medida em que não exige a concordância da parte contrária, mas apenas a provocação de um dos contratantes para que seja revisto o contrato.

Nos dispositivos mencionados houve adoção da teoria da imprevisão, em detrimento da teoria da base do negócio jurídico, que inspirou o Código de Defesa do Consumidor (C.D.C.). Justifica-se, todavia, a opção legislativa, pois nas relações jurídicas regidas pelo C.D.C. há uma parte mais fraca que necessita de maior proteção. Nas relações regidas pelo Código Civil, as partes se encontram em situação de igualdade que amplia sobremaneira a previsibilidade do encadeamento e desenrolar dos fatos.

Os dispositivos legais, que vigorarão já partir de janeiro de 2003, trazem para o campo normativo algo que há muito vem sendo aplicado pela jurisprudência e estudado pela doutrina, sendo a consolidação legal do que já é prática no dia-a-dia judicial.

Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que a onerosidade excessiva está presente no Direito Brasileiro aplicável a quaisquer relações contratuais – sejam regidas pelo Código Civil, sejam por legislação especial – e mantém, em sua aplicação, sua finalidade última, qual seja, a preservação do equilíbrio contratual entre as partes, assim como da operação econômica que é conteúdo do contrato.

A variação existente nas diversas circunstâncias em que se caracteriza é somente quanto à teoria que a fundamenta, e, portanto, quanto aos requisitos de sua configuração, o que em muito deve se amenizar, no que se refere a divergências doutrinárias e jurisprudenciais, com a entrada em vigor do novo Código Civil.

Evita-se, deste modo, que uma das partes do contrato seja sobrecarregada em sua obrigação em decorrência de fatos sobre os quais não poderia ter qualquer influência.

BIBLIOGRAFIA

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WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. 12a ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995.

REVISTA DE DIREITO – TJ-RJ, N.48, p.143, 177, 181, 217, 224, 235, 238, Espaço Jurídico, Rio de Janeiro.

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil, vol.3. Bookseller, São Paulo, 1999.

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 [1] GOMES, Orlando. Contratos. Forense, 24a ed. 2001, RJ, p.10.

[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol.III, 4a ed. 1995, Forense, RJ, p.98.

[3] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

[4] op.cit. p.180.

[5] op.cit. p.259.

[6] MAIA, Paulo Carneiro, Da Cláusula rebus sic stantibus. Saraiva. 1959, p.179.

[7] in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense, 6a ed.

[8] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. RT, 3a ed., São Paulo, p.414.