O Sistema de Cotas Raciais como Ação Afirmativa no Direito Brasileiro

Publicado em Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 8, n.31, p. 104-123, jul./set. 2005. Luciana de Oliveira Leal Halbritter

Resumo: As ações afirmativas foram implantadas no ordenamento jurídico brasileiro como uma solução para a dificuldade de acesso de certos grupos sociais ao sistema de educação superior. Seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade, vista tanto em seu aspecto filosófico quanto em seu aspecto jurídico-constitucional.

Palavras-chave: igualdade; constituição; ações afirmativas; minorias; cotas; universidades.

Sumário: Introdução. Ações Afirmativas – Conceito. A igualdade nos planos filosófico e jurídico. A igualdade no plano filosófico. A igualdade no Direito. Igualdade no Direito Brasileiro. As Ações Afirmativas no Direito Brasileiro. Conclusão. Bibliografia

Introdução

Atualmente, vem-se discutindo no cenário político, bem como jurídico, a viabilidade e os limites do desenvolvimento pelo Poder Público de programas e projetos cujo objetivo seja a inclusão social de minorias

[1], em relação às quais haja algum tipo de discriminação social ou desvantagem decorrente de discriminação histórica na sociedade que acarreta, no presente, desigualdade social. Trata-se das chamadas ações afirmativas, que nos últimos anos vêm sendo debatidas no âmbito do direito brasileiro, especialmente em razão da implementação do sistema de cotas raciais em universidades.

É certo, contudo, que o estabelecimento e a implantação de políticas tais no Direito Brasileiro é anterior à discussão atual, voltada especificamente para a questão racial. Cotas para mulheres em candidaturas para cargos públicos eletivos e para deficientes físicos em concurso público já têm previsão legislativa e aplicação prática há mais de uma década.

O que ora se propõe, assim, é analisar estas questões no Direito positivo brasileiro, em abordagem constitucional e filosófica.

Ações Afirmativas – Conceito

 Ações afirmativas são, no dizer de Joaquim B. Barbosa Gomes, “políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”. [2]

As ações afirmativas surgiram como uma forma de promover a igualdade entre grupos historicamente preteridos ou discriminados em uma sociedade. Sua finalidade primordial, mais do que prevenir, coibir e punir atos discriminatórios, é gerar condições para que as conseqüências sociais concretas da discriminação[3]  passada ou presente sejam progressivamente amenizadas, até que se alcance o objetivo maior de promoção da efetiva igualdade. [4]

Esta busca de igualdade se refere primordialmente às condições e oportunidades de acesso à educação e ao mercado de trabalho, o que importa dizer, à inexistência de discriminação na contratação e remuneração dos indivíduos, bem como no acesso aos níveis mais elevados de ensino.

Nos Estados Unidos da América, a Suprema Corte concluiu pela constitucionalidade do uso de critérios raciais na implementação de políticas públicas que objetivem a promoção da diversidade e a não segregação nas áreas educacional e de relação de emprego, em abordagem estrutural do problema da discriminação, com vistas ao equilíbrio entre os diversos grupos sociais.[5] Estas políticas configuram as chamadas ações afirmativas, implementadas legislativamente e ainda por meio da atuação dos tribunais, ante a constatação da discriminação racial praticada tanto em contratações, quanto na admissão de estudantes em universidades. Assim, a adoção do discrímen racial, que em princípio é suspeito de ser discriminatório, é admissível quando tenha por objetivo beneficiar o grupo ou minoria excluído, hipótese em que se mostra compatível com o princípio da igualdade. Neste sentido vem decidindo a Côrte Americana, com a ressalva de que somente ante a demonstração efetiva da desigualdade que se pretende remediar é que se admite a adoção deste discrímen.

No Brasil, dados do Censo 2000, realizado pelo IBGE evidenciam a efetiva disparidade, por exemplo, entre brancos e negros no acesso ao ensino superior. Conforme reportagem publicada em jornal de grande circulação, “em 2000, 3% da população cursavam uma faculdade. Entre os negros, a porcentagem era de 1%, enquanto, entre os brancos, a taxa era de 4,2%, quatro vezes mais”.[6]

Embora no Brasil o percentual geral de acesso ao ensino superior seja muito baixo – o que sinaliza que o problema educacional é muito mais abrangente do que a questão estritamente racial – há que se reconhecer que a disparidade no percentual de alunos que cursavam em 2000 algum curso de nível superior indica a existência de efetiva desvantagem entre as raças consideradas. O que não significa, contudo, que a mera criação de cotas para negros em nível universitário seja solução para o problema, por duas razões que se deve destacar.

Primeiramente, constata-se que a regra no sistema avaliatório para ingresso em cursos de ensino superior, no Brasil, é o critério meritório, ou seja, são avaliados os conhecimentos do aluno, por meios objetivos (provas), o que impede que o critério racial seja considerado quando de sua admissão. Seja por meio do ENEM, seja por meio do vestibular, ou de outros modos de avaliação do aluno, o que se aprecia no processo seletivo é o conhecimento e a capacidade de raciocínio do candidato à vaga na universidade. Não há entrevistas ou outros exames em que o avaliador possa, subjetivamente, discriminar o candidato, em razão de sua raça, ainda que sob argumento outro. Assim, a causa de um menor acesso ao ensino superior de integrantes da raça negra não está na discriminação racial no processo seletivo para ingresso em curso de nível superior – para cuja prática não há espaço no sistema de avaliação para ingresso atualmente em uso – mas em outras questões histórico-sociais e educacionais pertinentes a questão racial no país.

Em segundo, há que se considerar a ineficiência do sistema de cotas para solucionar as causas desta desigualdade. O problema educacional maior no país é relativo ao ensino fundamental e ao ensino médio, tanto em termos quantitativos como qualitativos.

O desenvolvimento de políticas de cotas, em especial as relativas ao ensino superior, que atingem o resultado da desigualdade e não sua causa, é, até certo ponto, inócuo, pois não emancipa verdadeiramente o indivíduo, que permanece dependente de ações governamentais para sua inserção social. As ações afirmativas, para que possam efetivamente gerar os resultados pretendidos com sua implementação, não podem se restringir à criação de cotas nos variados setores de atividades desenvolvidas em sociedade. Antes, devem ser realizadas conjuntamente com programas e projetos que atinjam as causas da desigualdade, para que possam efetivamente levar à igualdade de oportunidades entre os indivíduos. É na perquirição destas causas e de possíveis soluções para estes problemas que se pretende dar prosseguimento ao presente estudo.

A Igualdade nos Planos Filosófico e Jurídico

Diversas questões de ordem filosófica e jurídica, bem como social, política e mesmo econômica tangenciam o tema. Desde a antiguidade, os filósofos buscam conceituar o que seja a igualdade. E a filosofia veio fornecer subsídios ao Direito para o estudo do tema. Ao juridicizar a igualdade, tornando-a um direito, o Direito conferiu caráter obrigatório a seu conteúdo. Juridicamente, portanto, o principal fundamento para a realização de ações afirmativas se encontra no direito à igualdade

A igualdade no plano filosófico

O ponto de partida para a abordagem filosófica da igualdade é a constatação de que somente cabe o seu questionamento no contexto de relações sociais, pois o indivíduo isoladamente considerado não representa parâmetro de comparação, e somente será possível perquirir a existência de igualdade ou desigualdade na medida em que haja mais de um objeto de análise, para que entre estes seja possível realizar a comparação. Por outro lado, se faz necessário o exame de uma característica especificada, em relação à qual será traçado o comparativo. [7]

A igualdade, filosoficamente, se associa à idéia de justiça na distribuição dos escassos bens da vida, o que remonta ao pensamento grego, desde o período axial (séculos VII a II A.C.), culminando com o pensamento aristotélico exposto na “Ética a Nicômaco”.

Neste período, especificamente o século V A.C., é que surgiu a filosofia, com conseqüente substituição do saber mitológico pelo saber lógico da razão. O homem passa ao centro da análise, sendo objeto de reflexão, o que se desenvolve no reconhecimento de uma natureza humana. [8] Aristóteles identifica a justiça, num sentido amplo, com a virtude, tendo por “homem justo” aquele que respeita a lei, pois esta tem por objetivo a vantagem comum, “de modo que, em certo sentido, chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar, para a sociedade política, a felicidade e os elementos que a compõem. E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem bravo […] quanto os de um homem temperante[…] e os de um homem calmo”.[9] Segundo o filósofo, aquilo que, tomando-se o indivíduo em relação a si mesmo tem-se por virtude, em relação ao próximo tem-se por justiça. A justiça distributiva, espécie da justiça particular, se refere à distribuição de honras, dinheiro ou quaisquer outros bens, vez que é possível a um indivíduo receber seu quinhão igual ou desigual ao atribuído a outro indivíduo. O igual é o ponto intermediário na distribuição destes bens, e corresponde, portanto, ao meio termo, que seria justo.

Em Aristóteles, portanto, a igualdade é uma proporção na distribuição. Importante, ainda, é ressaltar que o filósofo associa a justiça na distribuição dos bens ao caráter meritório a orientar esta divisão, acenando no sentido de que o justo é a distribuição igual entre os iguais e desigual entre os desiguais[10] , na medida do mérito de cada um.

Embora seja precisa a lição do filósofo, o ponto principal de destaque, que não deve ser esquecido, é a identificação dos critérios que podem ser efetivamente usados para se considerar dois indivíduos iguais ou desiguais, e até que ponto é legítima a distinção com base nestes critérios, pois podem ser destacadas diferenças reais (desigualdades, como a raça ou o sexo dos indivíduos em comparação), que, contudo, não sejam hábeis a gerar, por efeito, o tratamento desigual (por exemplo, vedar o acesso de integrantes de um determinado grupo racial às linhas de transporte urbano prestado por uma empresa, ou proibir os indivíduos de um determinado sexo de participar de uma votação) .

Thomas Hobbes, em Leviatã, apresenta os homens como seres essencialmente iguais em capacidade física e faculdades mentais, compensando-se as eventuais diferenças com outras características atribuídas pela natureza.[11] Também John Locke apresenta a igualdade como inerente ao homem em seu estado de natureza, destacando que são criaturas de mesma espécie e ordem, com acesso às mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, o que as torna iguais em termos de liberdade e, portanto, sem qualquer subordinação umas às outras. Assim, inexistiria superioridade ou jurisdição de um homem sobre o outro. [12]

Charles Montesquieu igualmente professava a existência de um estado natural de igualdade entre os homens, que cessa tão logo se acham em sociedade, perdendo, destarte, o sentimento de fraqueza próprio da ausência de conhecimentos que lhe é característica, embora tivesse a faculdade de conhecer. Esta igualdade entre os homens no estado de natureza seria conseqüência das leis da natureza. [13]

Paulino Jacques apresenta um panorama do tratamento filosófico dado ao tema da desigualdade, do qual se pode destacar, em suma, que duas ordens de desigualdade podem ser observadas: a natural e a social. O referido Autor admite a existência de um estado natural de desigualdade, decorrente das diferenças de idade, saúde, forças físicas e qualidades da alma, invocando a lição de Rousseau. Expõe, ainda, concordando com o filósofo alemão barão D’Holbach, que a desigualdade social é conseqüência da desigualdade natural, e conclui pela impossibilidade de se colocar todos os homens num mesmo plano de fruição de bens, funções e valores, ou seja, num mesmo plano de igualdade econômica, política e social, sob pena de se chegar a um dos dois extremos que apresenta: completa monotonia da sociedade civil, ou transformação desta em um campo de batalhas. [14]

De tudo quanto se lê a respeito, possível é concluir que o Homem, enquanto espécie, apresenta atributos universais, próprios de todos os indivíduos que a integram, e por isso geradores de igualdade. O homem, enquanto indivíduo, possui um conjunto próprio de atributos e características que o diferencia dos demais indivíduos da mesma espécie, o que lhe dá o direito à diferença, ou seja, de ver aquele diferencial respeitado pelo grupo em que se insere. Assim, condutas que visem eliminar estas diferenças impondo um padrão único a se seguir, ou ainda que discriminem um indivíduo no grupo a que pertence em função desta diferença, violam não só o direito à própria diferença, mas também e, principalmente, o direito à igualdade, de que é dotado em relação aos demais indivíduos do grupo, pelo fato de pertencer à Humanidade.

A grande questão filosófica que se põe é exatamente compreender esta variação de grau e de contexto na visão que se pode ter da problemática da igualdade. O estudo filosófico, assim, ofereceu ao Direito subsídios para fundamentar e regular o direito a igualdade, bem como o direito à individualidade, que se traduz no respeito à diferença, em duas abordagens distintas de um mesmo direito.

O real conteúdo da igualdade na sociedade somente se alcança, considerando-se o homem no seu ambiente de convivência com outros seres de sua espécie. Ainda aqui se aplica a lição de Aristóteles, sendo certo, contudo, que não esgota o tema e não soluciona os problemas fáticos daí derivados, na medida em que não apresenta preceitos que esclareçam a legitimidade dos critérios usados para se considerar um indivíduo igual ou desigual a outro.

Outra conclusão a que se chega é a de que a igualdade não tem conteúdo próprio, mas é a medida do equilíbrio entre os indivíduos na correlação dos direitos que titularizam (no âmbito jurídico, genericamente considerados), ou, tratando-se da matéria em sentido amplo, na correlação entre suas características pessoais ou ainda na inter-relação destas, inclusive considerado o contexto social em que se encontram. Assim é que a liberdade de um não pode ter valor maior do que a liberdade do outro, a vida de um não terá maior valor do que a do outro. Os critérios de igualdade vão, desta forma, equilibrar a valoração destes direitos (não só vida e liberdade, mas quaisquer outros que se insiram no contexto social), de modo que um mesmo direito não venha a ter pesos diversos para indivíduos entre si considerados, como seres de uma mesma espécie.

Os fundamentos filosóficos específicos das ações afirmativas, por sua vez, são dois postulados filosóficos principais: justiça compensatória e justiça distributiva.

Segundo o fundamento da justiça compensatória, as ações afirmativas seriam o modo de correção de erros sociais ou mesmo estatais cometidos no passado. A discriminação passada a grupos específicos de indivíduos – não necessariamente raciais ou étnicos, mas também outros que por alguma motivação histórica e social, de natureza discriminatória, foram preteridos na titularização ou no gozo de direitos reconhecidos ou de bens da vida (por exemplo, as mulheres ou os idosos) – seria causa de inegáveis ônus sociais deixados às gerações seguintes, ou seja, de um dano ao grupo social, que demanda reparação. Portanto, segundo este postulado, a ação afirmativa seria o instrumento de restauração de um equilíbrio antes rompido e cuja ruptura acarretou por conseqüência uma injustiça na distribuição das vantagens e benesses da sociedade. [15]

Já o fundamento da justiça distributiva se embasa no reconhecimento do direito de indivíduos ou grupos a reivindicarem vantagens, bens ou benefícios aos quais teriam acesso se houvesse justiça social no meio social em que vivem, ou seja, se houvesse adequada distribuição – ou seja, igualitária – dos bens, vantagens e ônus da vida em sociedade. Assim, as ações afirmativas teriam relação, principalmente, com a redistribuição de ônus e vantagens, dos bens, enfim, entre os membros da sociedade. Sua finalidade, portanto, não seria reparar danos passados decorrentes de discriminação por meio de ações compensatórias dos mesmos, mas promover a distribuição equânime dos bens, direitos e vantagens entre os indivíduos, o que por si só mitigará os efeitos da discriminação outrora praticada. [16] As ações afirmativas têm por finalidade atender ambos os fundamentos.

A igualdade no Direito

Juridicamente, o conceito de igualdade foi fruto de evolução normativa e doutrinária concomitante ao desenvolvimento dos direitos fundamentais. Seu reconhecimento, quando das primeiras declarações de direitos – inspiradas pelo Iluminismo, base das revoluções liberais por meio das quais adquiriu-se a noção de que o indivíduo é ser distinto do Estado, contrapondo-se a ele – implicava na igualdade de todos perante a lei. Assim, a lei não poderia ser aplicada distinguindo-se entre os indivíduos destinatários da norma.

Tratava-se de igualdade formal [17] , oriunda da consideração do indivíduo como ser abstrato e dotado de direitos naturais a todos inerentes e, por isso, impassível de diferenciações pelo nascimento. Lembre-se que, ainda aqui, não se falava em igualdade material, e não havia nela caráter concreto. Indivíduos de um mesmo grupo deveriam receber tratamento idêntico, contudo, nada impedia que grupos distintos tivessem tratamento diferenciado, e, ainda assim, independentemente da hoje exigida razoabilidade do discrímen – característica distinta que gera diferenciação no tratamento legal. Deste modo, por exemplo, quanto ao direito de voto, que não era universal, mas apenas de homens que fossem proprietários. [18]

A finalidade do reconhecimento do direito à igualdade, na verdade, era acabar com a ordem estamental, com as diferenças impostas pelo nascimento, pois no pensamento liberal, a determinação da igualdade obrigava o juiz e o administrador a não fazer distinção onde a lei não a fizesse, ou seja, não se poderia criar distinções na aplicação da lei, naquilo que esta não distinguisse. O legislador podia criar ou manter desigualdades – relativas àquele grupo de direitos e características inerentes ao ser humano enquanto indivíduo – sem que estas implicassem em violação efetiva da igualdade. [19]

Com o advento do Estado Social, a igualdade evoluiu em seu conceito para abranger também o legislador (vedação da desigualdade na lei), e ganhou conteúdo material. Desta forma, a igualdade perante a lei cedeu lugar à busca pela igualdade fática, de natureza concreta, obrigatória não mais apenas ao julgador e ao administrador, mas também ao legislador. A partir de então, a igualdade passa a ser exigência para a própria lei, e não apenas para aquele que a aplica. Ademais, a igualdade material, no contexto do reconhecimento dos direitos sociais, exige mais do que a não diferenciação, a não discriminação. Exige atos concretos que viabilizem a igualdade no plano fático, gerando a chamada igualdade de oportunidades. [20] Esta, segundo, Maren Guimarães, passou a ser pensada sob a premissa de que se deve “colocar todos os membros da sociedade em condições iguais de competição pelos bens da vida considerados essenciais”. [21]

Assim, a busca pela igualdade material passa a exigir a atuação concreta no sentido de se assegurar a cada indivíduo a fruição daqueles direitos que titulariza por ser da espécie humana, mantendo-se a vedação à desigualdade, quer na lei, quer em sua aplicação, em relação aos dois aspectos da natureza humana (tanto como indivíduo quanto como integrante de uma espécie). É importante, ainda, ressaltar que os direitos sociais têm a finalidade de implantar a igualdade material. São instrumentos de tal igualdade, mas não se confundem com as ações afirmativas nem são estas integrantes daqueles.

Seus âmbitos de incidência são distintos, e seus fundamentos diversos, de modo que são dois instrumentos de efetivação do princípio da igualdade, que interagem, mas não se fundamentam mutuamente, embora as ações afirmativas possam ser meios de se assegurar a determinados grupos sociais o acesso ao exercício dos direitos sociais.

Pode-se, ante esta constatação, distinguir dois aspectos da igualdade, seja como direito do indivíduo, ou como princípio de um ordenamento jurídico. Por um lado, tem-se a vedação à discriminação, num caráter proibitivo da igualdade, a proibição às distinções, e por outro, o seu aspecto positivo, ou seja, de atuação concreta para a implementação da efetiva igualdade, o que se atinge por meio do pleno exercício dos direitos sociais. Estes sempre levam a concretização social da igualdade. Já as ações afirmativas podem ou não vir a assegurar a igualdade, podendo, até mesmo, violar este princípio/direito, na medida em que atuam por meio da discriminação, chamada positiva.

Igualdade no Direito Brasileiro

É possível vislumbrar no Direito Brasileiro, a aceitação de ambos os aspectos supra-referidos do princípio da igualdade. A Constituição Federal, em seu preâmbulo, apresenta a igualdade como um dos valores supremos da sociedade brasileira. Em seu art. 3º, dispõe expressamente que um dos objetivos fundamentais do país, enquanto república, é a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Vê-se, portanto, que já na descrição dos objetivos fundamentais do país a Constituição destaca a vedação à discriminação negativa (quando faz referência à vedação ao preconceito e outras formas de discriminação), bem como a necessidade de se desenvolver atividades que promovam a igualdade de todos, o que pode ser considerado o aspecto positivo deste princípio de ordem constitucional. Sua configuração, todavia, conforme se extrai do art. 5º, caput, não é apenas de princípio, a orientar, vinculativamente, a interpretação das normas jurídicas que compõem o ordenamento do Estado brasileiro, mas de efetivo direito de todos. [22]

Partindo-se da premissa de que o ordenamento constitucional brasileiro acolheu o princípio da igualdade material, cumpre destacar que não se trata de exigir tratamento igualitário pela lei a todos os indivíduos, mas de identificar as desigualdades e tratar de modo desigual os desiguais [23], não para aprofundar a desigualdade, mas para combatê-la, chegando-se a um ponto de equilíbrio entre os indivíduos nas relações privadas, e promover a efetiva igualdade no contexto das relações sociais, assegurando-se a todos o mesmo grau de acesso aos bens da vida, ou fruição dos direitos.

Assim, por exemplo, tendo-se reconhecido a desigualdade entre as partes de uma relação de consumo – consumidor e fornecedor – com clara vulnerabilidade do primeiro, criou-se a sobre-norma de proteção ao consumidor (Lei 8078/95). Sua finalidade, contudo, não é desequilibrar a relação contratual a favor do consumidor, com inversão do desequilíbrio até então existente, mas reequilibrar a relação jurídica existente, colocando ambas as partes envolvidas num mesmo nível, ou seja, restabelecendo a situação de paridade, de igualdade entre as partes.

Assim também ao haver previsão legal de medidas específicas aplicáveis a crianças e adolescentes em situação de risco aos direitos que titularizam (art. 98, Lei 8069/90), medidas estas que visam reequilibrar a situação daquela criança dentro da sociedade, assegurando-lhe o acesso aos mesmos direitos das demais crianças, as quais não se encontram em situação de risco.

Relevante é examinar e definir quais os critérios passíveis de indicar a legítima desequiparação na lei entre os indivíduos que convivem numa mesma sociedade, na medida em que é vedada pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro a discriminação em qualquer de suas formas, e especificamente a de origem, raça, sexo, cor e idade.

Celso Antônio Bandeira de Mello destaca, com acerto, que ao proibir a discriminação tomando-se por base certos traços, a ordem constitucional assim agiu para evitar que estes traços, colhidos da realidade social, viessem a embasar desequiparações odiosas, isto é, injustificadas, fortuitas ou arbitrárias. Alguns critérios são trazidos pelo autor acima referido, para que o discrímen legal não viole o princípio da igualdade, o que ora se transcreve, na medida em que exata a lição:

“a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público” [24]

Todavia, a correlação lógica, aqui, está sujeita aos valores aceitos em determinada época, numa dada sociedade. Portanto, torna-se relevante ter em vista dois outros princípios orientadores da verificação de respeito à igualdade numa determinada lei – ou em sua aplicação – quais sejam, o da dignidade humana e o da razoabilidade. Quando se trata de ações afirmativas, a discriminação positiva tanto pode atender à implementação da igualdade material como pode gerar efeitos opostos, criando desigualdades, por superarem o limite do necessário ao restabelecimento do equilíbrio social entre os indivíduos. Portanto, há que se encontrar critérios pelos quais se possa efetivamente perquirir os limites de constitucionalidade das ações afirmativas, o que não se restringe ao princípio da igualdade material, mas abrange outros princípios de natureza interpretativa, hábeis a delimitar o alcance de ações desta espécie. Alexandre Vitorino Silva bem explica a problemática:

“A situação, de fato, contém um paradoxo, pois, para implementar-se o princípio da igualdade material e aplicar um critério de justiça distributiva capaz de reverter, no plano dos fatos, os efeitos presentes de uma discriminação pretérita, a solução aventada é a de reduzir as chances de acesso de integrantes da maioria, pelo simples fato de pertencerem a ela. Com isso, há no mínimo uma aparente violação ao princípio da igualdade formal, que precisa ser analisada no caso concreto segundo o mecanismo de ponderação de princípios para que se possa saber se a medida restritiva da igualdade formal é aprovada no teste constitucional da proporcionalidade”. [25]

Passa-se, portanto, à análise das ações afirmativas no Direito Brasileiro, no contexto da principiologia constitucional vigente.

As Ações Afirmativas no Direito Brasileiro

É neste contexto que se insere a discussão sobre a viabilidade jurídica das ações afirmativas – que seriam esta face ativa da igualdade – e os seus limites, na medida em que em muitas circunstâncias representarão a chamada discriminação positiva, com o tratamento privilegiado de grupos historicamente discriminados ou de minorias outras que por suas condições, enquanto grupo, sofram privação do acesso a estas oportunidades, que são objeto do princípio da igualdade material. A grande discussão jurídica é, pois, sobre a constitucionalidade destas ações, à vista da principiologia constitucional adotada no ordenamento brasileiro, e os requisitos necessários em sua implementação para que seja legítima a implantação de projetos que constituam ações afirmativas.

Para que estas medidas possam ser tidas por legítimas terão necessariamente por características a temporariedade e a especialidade, assim como o objetivo específico, voltado à eliminação de desigualdades sociais adequadamente detectadas e comprovadas entre o grupo majoritário e a minoria cuja inclusão se pretende promover.

No plano legislativo, além das normas constitucionais já mencionadas, há diversos diplomas legais recentemente inseridos no ordenamento jurídico, relacionados ao tema das ações afirmativas, como, p. ex.: art. 24, XX, da lei 8.666/95 (que trata da dispensa da licitação para contratação de associação de portadores de deficiência física); Lei 9.504/97 (que adotou a cota de 30% das vagas para candidatura de cada partido ou coligação a ser destinada a indivíduos de um dos sexos – cota neutra); Lei 9.799/99 (que criou o art. 373-A, CLT, cujas disposições têm por objetivo impedir a discriminação às mulheres nas relações de trabalho); Leis 7853/89, Lei 10.098/2000 e Lei 8.213/91 (voltadas à integração dos deficientes físicos); Decreto nº 4.228/2002 (que instituiu, no âmbito da Administração Pública federal, o programa Nacional de Ações Afirmativas); Portaria nº 1156 do Ministério da Justiça, de 20/12/2001 (que instituiu o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Justiça) e Decreto nº 1904/96 (que instituiu o programa nacional de Direitos Humanos).

Outros textos legais há, ainda, relativos ao tema, bem como vasta legislação internacional, com destaque para o Pacto Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

No Direito Brasileiro, não se pode afirmar abstratamente que toda a qualquer ação afirmativa é constitucional perante o ordenamento jurídico. Isto porque a pertinência de uma determinada ação somente se pode aferir no caso concreto, dentro do qual se pode verificar não somente a validade da norma jurídica que embasa a medida, mas também da própria incidência e aplicação da norma, que pode até ser constitucional em tese, mas gerar resultado inconstitucional quando de sua aplicação.

Retornando aos critérios já mencionados elaborados por Celso Antônio Bandeira de Mello, pode-se afirmar que:

a) ao atingir todo um grupo, o qual congrega indivíduos de uma mesma característica, como raça, sexo, ou condição física, atende-se ao critério de que a norma não se aplica a um só indivíduo.

b) sendo estes traços próprios das pessoas a serem desequiparadas, estar-se-à atendendo ao segundo critério. Note-se, aqui, que cotas para pessoas com determinada renda fugiriam a este critério, pois não é característica residente na própria pessoa. Todavia, é precisamente neste campo, da desigualdade na distribuição de renda, que se inserem os maiores problemas sociais do país de modo que aqui se justificam medidas que estabelecem cotas para pessoas de determinada renda.

c) a correlação lógica referida estará presente quando verificado por meios idôneos que existe causalidade ou pertinência entre a diferenciação aplicada e o discrímen utilizado. No caso de cotas para negros, o que se tem usado para justificar as medidas é a desproporção entre o percentual de negros da população e o percentual que ingressa na universidade. Pesquisa divulgada recentemente nos meios de comunicação, contudo, demonstra que ao menos nas universidades públicas esta diferença somente existiria em relação ao pardos e não aos negros e brancos.

d) in concreto, o discrímen é relevante ante os princípios da razoabilidade bem como da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Um adendo ao item (c) acima descrito merece destaque. A correlação lógica não se encontra efetivamente demonstrada, no sistema de cotas raciais, salvo no mercado de trabalho, em que há espaço para a discriminação racial. Naquelas ocupações, contudo, em que o acesso é por meio de concurso público, não havendo espaço para a aplicação de subjetividade assim como no sistema meritório de ingresso no ensino superior, a correlação lógica não se concretiza. E isto porque o ato discriminatório não encontra momento para ocorrer. O acesso à vaga em universidade não é impedido em razão do critério racial, mas em razão da deficiência do ensino público fundamental e médio, o que torna o problema, em última análise, uma conseqüência da economia, vez que os que têm menor renda precisam do ensino público, que não é suficientemente qualificado a proporcionar ao jovem o acesso por sistema meritório aos níveis superiores de educação.

Sendo da natureza das ações afirmativas que sejam temporárias e dotadas de especialidade, estas características devem estar demonstradas no próprio ato que as estabelece, sendo certo que deverá ser indicado o lapso temporal estimado de sua aplicação e as causas que a justificam.

Por outro lado, o discrímen adotado deve passar pelo crivo da razoabilidade, por ser suspeito. Assim é que será necessário aferir no caso concreto se a medida atende ao princípio da razoabilidade. Neste sentido é o ensinamento de Luís Roberto Barroso, que afirma:

“Tais classificações fundam-se em fatores que o constituinte reputou suspeitos e cuja utilização traz uma forte possibilidade e ser inconstitucional, a menos que se possa demonstrar como parece, em cada um dos exemplos, que o tratamento desigual teve um fundamento razoável e destinou-se a realizar um fim legítimo. Em outras palavras: para ser válido, o tratamento diferenciado precisa passar no teste da razoabilidade interna e eterna”. [26]

Para que se possa considerar constitucional a implantação do sistema de cotas raciais, deve, portanto, haver adequação entre o fim almejado e o instrumento empregado, ser necessária ou exigível a implantação do sistema, por não haver meio alternativo menos oneroso a direito individual e proporcionalidade estrita, ou seja, que o bem que se atinge, seja mais relevante que o sacrifício decorrente da desequiparação.

É fato que o estabelecimento de cotas tem caráter meramente paliativo, isto porque não ataca a causa da desigualdade racial existente no acesso ao ensino superior – que, ao contrário da experiência norte-americana, não é a discriminação negativa. Portanto, somente será válida se estabelecida em caráter temporário, tendo sua adequação limitada àquele grupo que dela se beneficia. Para as gerações futuras, na verdade, somente a implantação de melhorias no ensino fundamental e médio, bem como a educação voltada à formação de consciência social do respeito às diferenças bem como da ilegitimidade de discriminação negativa qualquer que seja seu fundamento é que poderão igualar efetivamente os indivíduos no acesso às mesmas oportunidades. Ou seja, somente mediante a implantação de meios para o exercício pleno dos direitos sociais por todas as camadas e integrantes da sociedade, independentemente da raça a que pertençam, é que se pode efetivamente atender ao princípio da igualdade, democratizando-se faticamente o acesso aos meios de educação, cultura, saúde, habitação e demais direitos sociais.

As ações afirmativas, assim, somente atendem à razoabilidade se demonstrada sua vinculação a outros programas de implantação do acesso aos direitos sociais, de modo que em certo tempo venha a se tornar desnecessária e cesse sua aplicação. Do mesmo modo, somente diante desta conjuntura é que se poderá afirmar a necessidade da medida, de modo a beneficiar a geração presente da minoria, igualando-se à geração presente da maioria, enquanto se alicerçam as bases da igualdade social necessária ao pleno exercício dos direitos pelas gerações futuras. Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, estará atendida se assegurados meios alternativos para aqueles que comprovadamente venham a ser preteridos, ainda que com melhores resultados, em razão da implantação do sistema de cotas.

Conclusão

Em poucas linhas, estes são os parâmetros constitucionais de validade das cotas raciais para ingresso no ensino superior. Não se pode afirmar abstratamente a constitucionalidade do sistema de cotas, devendo-se aferir no caso concreto a presença de fatores que atendam ao princípio da razoabilidade, bem como da igualdade material.

Não cumpridos todos os seus pressupostos, forçoso é reconhecer a inconstitucionalidade destas medidas por atentarem contra o princípio da igualdade. Não obstante, há que se louvar os esforços no sentido de amenizar as desigualdades sociais, implantando a efetiva igualdade material a todos constitucionalmente assegurada.

Bibliografia.

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[1] “Não se toma a expressão minoria no sentido quantitativo, senão que no de qualificação jurídica dos grupos contemplados ou aceitos com um cabedal menor de direitos, efetivamente assegurados, que outros, que detêm o poder. […] em termos de direitos efetivamente havidos e respeitados numa sociedade, a minoria, na prática dos direitos, nem sempre significa menor número de pessoas”. (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. Revista Trimestral de Direito Público, nº 15, 1996, 85-99, p. 87, nota 3).

[2] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA. Renovar, Rio de Janeiro/São Paulo, 2001, p. 41. Guilherme Peña de Moraes apresenta, por sua vez, o seguinte conceito de ações afirmativas: “políticas ou programas, públicos ou privados, que objetivam conceder algum tipo de beneficio a minorias ou grupos que se encontrem em condições desvantajosas em determinado contexto social, em razão de discriminações existentes ou passadas, como as pessoas portadoras de deficiência física, idosos, índios, mulheres e negros…”. (MORAES, Guilherme Peña. Ações Afirmativas no Direito Constitucional Comparado. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003, 298-315, p. 300).

[3] Discriminação negativa, segundo Renata Malta Villas-Boas significa “tratar-se de forma diferenciada um determinado grupo social ou um conjunto de pessoas que possuem características em comum, com o objetivo de menosprezá-las, dando a elas atributos e qualificações negativas”. (VILLAS-BOAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o Princípio da Igualdade. Rio de Janeiro, América Jurídica, 2003, p. 28).

[4] “A expressão ação afirmativa, usada pela primeira vez numa ordem executiva federal norte-americana do mesmo ano de 1965, passou a significar, desde então, a exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente inferiorizadas, vale dizer, juridicamente desigualadas, por preconceitos arraigados culturalmente e que precisavam ser superados para que atingisse a eficácia da igualdade preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais”. (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes, op.cit. P. 87)

[5] GOMES, Joaquim B. Barbosa, op.cit. P. 77/78 e 113.

[6] Jornal O Globo de 03 de dezembro de 2003, p. 12.

[7] “Não se pode perder de vista, também, que a idéia de igualdade sempre se apresentou ao pensamento humano conectada e misturada com outras idéias análogas, tais como a de liberdade, justiça, humanidade etc., e com significados e valores muito diversos. Se a igualdade é um valor, como reiteradamente afirmam os filósofos e juristas, é, necessariamente, um valor relativo e só neste plano – o da relatividade – tem sentido. Os gregos, por exemplo, distinguiam várias espécies de igualdade: como meio-termo proporcional entre o muito e o pouco, a perda e o ganho, igualdade a esfera¢diante da lei […]. Daí decorre o fato, lembrado por Bobbio, de que  de aplicação da justiça, ou da igualdade social e politicamente relevante, é a das relações sociais, ou dos indivíduos com o grupo (e vice-versa)*”. TABORDA, Maren Guimarães. O Princípio da Igualdade em Perspectiva Histórica: Conteúdo, Alcance e Direções. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 211: 241-269, jan/mar 1998, p. 245.

[8] COMPARATO, Fábio Konder, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Saraiva: São Paulo, 2001, 2ª ed., p.8/11. Vale citar a constatação do referido autor: “Em suma, é a partir do período axial que o ser humano passa a ser considerado, pela primeira vez na História, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes”. (p.11)

[9] ARISTÓTELES, Ética a Nicômano, in Os Pensadores, vol. IV, São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 322.

[10] Idem, p. 324/325.

[11] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Ícone, 2000, p. 94.

[12] LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo, in. Locke. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 35/36.

[13] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo/ Montesquieu; introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota, São Paulo: Saraiva, 2000, 7ª ed., p. 79/81.

[14] JACQUES, Paulino Ignácio. Da Igualdade perante a lei: fundamento, conceito e conteúdo. Rio de Janeiro: Forense, 197, p. 42/47. Destaque-se, contudo, que Rousseau, em sua obra Discurso sobre a origem e fundamentos da igualdade, Europa América, 1981, admite a existência da desigualdade física entre os homens, mas defende, do mesmo modo, que a desigualdade dos homens aumenta na medida em que se desenvolve a vida em sociedade, especialmente a sociedade civil, em razão da qual surgem as distinções civis: “Conclui-se também que a desigualdade moral, autorizada só pelo direito positivo, contrária ao direito natural, todas as vezes que não aparece na mesma proporção com a desigualdade física; distinção que determina suficientemente o que se deve pensar a este respeito acerca da espécie de desigualdade que reina entre todos os povos civilizados; uma vez que é manifestamente contra a lei da natureza, qualquer que seja a maneira como se define, que uma criança mande num velho, que um imbecil governe um sábio e que um grupo de pessoas esteja a abarrotar de coisas supérfluas, enquanto a multidão esfomeada se vê privada do necessário”. (ROUSSEAU, Jean Jacques, op. cit., p. 83.

[15] GOMES, Joaquim B. Barbosa, op. cit. P. 61 ss: “Noutras palavras, a discriminação entendida sob essa ótica como uma privação de <<meios>> ou de <<instrumentos>> de competição, resulta igualmente em privação de oportunidades. Conseqüentemente, reduzem-se as perspectivas. Para a teoria da justiça compensatória, a melhor forma de correção e de reparação desse estado de coisas consistiria em aumentar (via ações afirmativas) as chances dessas vítimas históricas de obterem os empregos e as posições de prestígio que elas naturalmente obteriam caso não houvesse discriminação” (p. 63/4). Norberto Bobbio escreve a respeito que “de uma maneira geral, adotou-se a distinção aristotélica entre Justiça distributiva e Justiça reparadora. A primeira é “aquela que se exterioriza na distribuição de honras, de bens materiais ou de qualquer outra coisa divisível, entre os que participam do sistema político” (Ética, 1.930b), enquanto que a segunda está mais especificamente ligada a situações em que uma pessoa, ao receber uma ofensa de outra pessoa, pede a conseqüente reparação. As normas da Justiça são ainda subdivididas em normas de Justiça compensativa e normas de Justiça corretiva. As primeiras referem-se a negócios para com a parte ofendida; a segunda inflige uma punição ao culpado” (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1986, p. 662).

[16] idem, p. 67/8: “…a tese distributiva propõe a adoção de ações afirmativas, que nada mais seria do que a outorga aos grupos marginalizados, de maneira eqüitativa e rigorosamente proporcional, daquilo que eles normalmente obteriam caso seus direitos e pretensões não tivessem esbarrado no obstáculo intransponível da discriminação. Portanto, sob essa ótica, a ação afirmativa define-se como um mecanismo de <<redistribuição>> de bens, benefícios, vantagens e oportunidades que foram indevidamente monopolizadas por um grupo em detrimento de outros, por intermédio de um artifício moralmente e juridicamente condenável – a discriminação…”.

[17] Carmem Lúcia Antunes Rocha explica que o sentido do princípio da igualdade, então denominado isonomia, se restringia à vedação à discriminação, invalidando, assim, o comportamento preconceituoso como ação admissível na ordem jurídica (op.cit. p. 86). Pode-se afirmar que o princípio da igualdade tinha caráter negativo, não englobando, contudo, o caráter positivo, de ação, ínsito ao princípio.

[18] Cabe destacar a lição de Norberto Bobbio, que ensina que somente em razão de mudanças no contexto histórico-social e de novas exigências destas decorrentes é que se pode falar em surgimento e reconhecimento de novos direitos. Portanto, p.ex., somente com o aparecimento da classe proletariado é que se desvinculou o direito de voto do direito de propriedade. (BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 01/10). Também Maren Guimarães Taborna ensina a respeito: “A Igualdade de todos – todos os homens são (ou nascem) iguais – veio, então, referida como igualdade absoluta, sem reservas, trazendo implícita a idéia de um tratamento pela lei em termos absolutos, independentemente do conteúdo desse tratamento, pois, ainda que se reconheçam as desigualdades existentes entre os homens, considera-se serem as mesmas irrelevantes no âmbito do tratamento jurídico. O princípio da igualdade aparece, assim, sem qualquer graduação, traduzido em mero princípio de prevalência da lei, isto é, em um dado puramente formal […] Ser considerado igual perante uma determinada lei é ser o destinatário de sua aplicação. A observância da devida igualdade dirige-se ao aplicador da lei – juiz ou Administração – que estão proibidos de estabelecer distinções onde a lei não as estabelece”. (op.cit. P. 255).

[19] Daí a visão marxista de que o direito seria instrumento de dominação, cf. Maren Guimarães Taborda, op.cit.256).

[20] Segundo Paulo Bonavides (Curso, p. 343), “o Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o caso, a prestações positivas; por meios, se necessário, para concretizar comandos normativos de isonomia”.

[21] Op.cit. P. 257.

[22] Lembre-se que toda a discussão a respeito da normatividade dos princípios sequer se aplica ao caso, pois em se tratando de direito reconhecido como tal, sua exigibilidade é ínsita a sua existência, na medida em que onde há direito há dever correlato, que gera uma pretensão para seu titular, diante de qualquer objeção comissiva ou omissiva a sua fruição.

[23] “O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 3ª ed., 1993, p. 12.

[24] Op.cit. P. 41

[25] SILVA, Alexandre Vitorino. O desafio das ações afirmativas no direito brasileiro. Jus Navegandi, Teresina , a. 7, n. 60, nov. 2002, disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3479. Acesso em 04.ago.2003.

[26] BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Renovar: Rio de Janeiro/São Paulo, 2001, p. 161.